quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Histórias de uma gaveta

Era uma gaveta de básicos. Pretos, brancos e cremes. Ah, e um vermelho. Tudo liso, baço, confortável, prático. Até o vermelho. Material bom, que assentava bem, mas sem graça...
Não foi sempre assim. Já lá tinham morado vermelhos, azuis, rendas, transparências, pretos picantes, corpetes, brancos delicados, sedas... alguns bons apenas para tirar, sem nada de confortável! Uma gaveta cheia de histórias, de segredos, de sussurros, de risos, de prazer... Era uma gaveta divertida, bem disposta, com alguns toques de requinte e muito, muito colorida! A fugir um pouco para o excesso de vermelhos, é certo, mas isso não é defeito, pois não? Até diabinhos lá estavam guardados! Vermelhos, claro!
Um dia, num acto de desespero e loucura, foi tudo para o lixo! Tudo! Apenas lá ficaram as peças que encaixavam no prático, confortável, peças anónimas, sem direito a história ou elogio. Passou a ser uma gaveta como as outras, sem picante, sem segredos, sem "salero"... Por vezes, o olhar fugia-lhe para as peças atrevidas, picantes, divertidas. E as mãos tinham tanta vontade de as trazer e enfiar na gaveta! Mas ganhava o prático, sensaborão e confortável. Para quê gastar dinheiro?
Assim se manteve. Até que...
...timidamente, os olhos passaram a demorar-se ainda mais, as mãos a tocarem, a pegarem e a experimentarem. A imagem no espelho sabia-lhe tão bem... mas ainda não vinham para a gaveta!
Um dia, com pressa, com urgência, abriu a gaveta, olhou... e percebeu que aquela não podia ser a sua gaveta! Só básicos, algodão, sem cor, sem rendas, sem corpetes... Ai, quando se precisa de alguma coisa e não se tem... Então, sem poder perder tempo, agarrou (nem experimentou!), pagou, chegou a casa e vestiu. E despiu! Mais tarde, olhou para a gaveta e imaginou-a a ficar de novo colorida, com segredos, divertida, picante, atrevida, enfim tudo o que já tinha sido. Decidiu-se!
Quem lá vive agora? Básicos (que fazem sempre falta, mas básicos não tão básicos), vermelhos (lindos!), pretos já não tão discretos (mas ainda não muito picantes), azuis (claros e escuros), castanhos, estrelas (muitas estrelas) e mais vermelhos (lindooos!)! Faltam os corpetes, as histórias, as transparências, os segredos, as rendas, os sussurros, as sedas e o prazer...
A gaveta, essa está bem mais divertida! Porque não gastar dinheiro?! O espelho fica tão, mas tão satisfeito! Porque o que importa é a imagem no espelho!

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