sábado, 13 de novembro de 2010



Faz hoje 25 anos que o meu pai morreu. É tão estranho pensar que já vivi mais anos sem ele, que os escassos 15 anos em que convivemos. Não me parece nada que tenham passado tantos anos. Acho que foram só 5 ou 6, tal é a força das minhas memórias, dos ensinamentos que ainda hoje sigo, dos conselhos que ainda recordo, das histórias que não esqueço.

Ainda me lembro do cheiro do meu pai.

Retenho como um filme o que se passou nesse dia, tal como se tivesse sido ontem: o carro do meu irmão mal estacionado à porta de casa dos meus pais, a porta que não tinha a volta de segurança, o subir as escadas, as luzes todas acesas... e o abrir da porta da sala.
Foi nesse momento, ao abrir essa porta, que a "menina" também morreu. A minha mãe, sentada no cadeirão do meu pai, estática, de olhos parados, toda ela parada... levantou os olhos e disse: "o teu pai morreu". Não disse mais nada nas 24 horas que se seguiram.

Não senti que o mundo tinha acabado, não senti medo, não senti tristeza, não chorei. Acho que foi aqui que a "mulher" nasceu.
Dirigi-me ao quarto dos meus pais e o meu irmão tentou impedir-me. Eu rosnei-lhe um "deixe-me passar, é o meu pai e eu quero vê-lo". Lá dentro, a minha avó, sem saber o que me dizer, diz-me que não sabe o que lhe há-de vestir... e aí, eu assumi o comando de tudo: da roupa, dos telefonemas, do funeral, da minha mãe, da casa e de mim... Apanhei as minhas rédeas e nunca mais as larguei.

Não me lembro de ter dormido. Lembro-me de ter aquecido jantar para todos, de ter enfiado um comprimido para dormir pela goela abaixo da minha mãe, de a ter tapado com uma manta, na esperança de a ter de volta no dia seguinte. Lembro-me de ter falado e combinado tudo para o funeral com o senhor da funerária, de ter ouvido as instruções do gerente do banco, de ter dado a notícia à minha irmã quando ela chegou... mas não me lembro de ter dormido. Essa noite não existiu...

Recordo a manhã, o vestir a minha mãe com um fato de malha verde, para a levar ao banco, às 8.30, antes de se saber que o meu pai tinha morrido. Recordo o ter levado a minha mãe à capela, de ter voltado para casa para tratar do que ainda faltava. Depois está tudo em branco, até à missa... não sei onde estive, com quem estive, o que fiz... sei que o fiz, porque mo disseram...

Não me lembro de me terem "abraçado", de me terem dado "colo", de me darem "mimo", de me passarem a mão pela cabeça ou sequer de alguém me ter dito que tudo ia ficar bem... ainda hoje sinto que passei despercebida... tudo e todos estavam virados para a minha mãe, que não falava, que não se mexia, só chorava... E, no meio da herança, do testamento, dos prédios, dos terrenos, dos dinheiros, das acções, das avaliações, do inventário de menores, algures por aí, todos se esqueceram que esse mesmo inventário tinha uma única razão de ser: uma menor que tinha ficado sem pai.

Mas cresci. Rápido, muito rápido. Se me fez bem?! Com certeza que sim. Aprendi a tratar de mim própria e dos outros. Sobretudo dos outros. É a minha grande especialidade. Sei dar "colo", sei dar "mimo", sei dar "abraços"... porque sei, sobretudo, o que foi não ter tido isso tudo quando mais senti a falta...

Para o meu pai, que tanta falta me faz