quarta-feira, 30 de maio de 2012
Sou, a partir de hoje, algo que nunca quis ser. Com grande desgosto meu,
ganhei o que não queria, mas que tinha que ganhar. O mais correcto, o
mais acertado, a atitude mais responsável, talvez até o mais justo, mas
nada disto apaga a gigantesca tristeza com que passo a desempenhar,
oficialmente, a tarefa mais ingrata da minha vida. Já era minha, desde
há um ano, por amor, carinho, respeito, devoção e dever, mas a sua
legitimação só a vem tornar ainda mais ingrata e pesada.
domingo, 6 de maio de 2012
Carta ao Medo
Meu Caro Medo:
Devia perguntar-te como estás, mas sei que estás bem... Continuas a cumprir a tua função ancestral de mecanismo de sobrevivência contra tudo o que pode ameaçar a vida humana. Mas não é por esta tua função que te escrevo...
Escrevo-te por tu atrapalhas a vida normal, do dia-a-dia, do quotidiano, impedes-nos de aproveitar a vida com essa tua mania de aparecer, subrepticiamente, à sucapa, nas esquinas, nas curvas, até mesmo onde achamos que estamos bem, que tu estás longe, muito longe...
Não me queixo dos Medos antigos, mas dos novos! Os antigos, como bem sabes, aprendi a lidar com eles, não sei se muito bem, mas aprendi...
Mas tu és um gajo tramado! Teimas em não me largar! Aprendi a reconhecer-te às primeiras indecisões, às primeiras fugas... demorei anos, mas aprendi a reconhecer-te! Invento estratégias para te ultrapassar, nem sempre sou bem sucedida, mas não desisto...
Sinto-te: lá vens tu... primeiro escondo a cabeça na areia como a avestruz... depois irrito-me comigo mesma (ainda com a cabeça na areia)... obrigo-me a pôr um olhito de fora e deixo guarda-chuvas em carros alheios... depois, lá tenho coragem e ponho o outro olho de fora, mas ainda não levanto a cabeça... fico perto do "buraco", não vá o diabo tecê-las... olho à volta, sinto-me confiante e começo a levantar o pescoço, lentamente... e tiro fotografias a caracóis e publico-as...de repente, levanto o pescoço, estico-o e ganho coragem para te olhar de frente, olhos nos olhos... o meu pescoço está levantado, esticado, tenho orgulho de mim pelos minúsculos passos que dei... torno-me ousada, valente... YES!!! Enfrentei-te!
Ah, mas tu és fodido!!! Tu sabe-la toda... Tu gostas de ganhar! Mesmo com tudo o meu esforço, com toda a minha coragem, com toda a minha bravura e ousadia, tu não desistes! Sacana!!!
Fizeste uma retirada estratégica, estavas escondido... deixaste que tudo acontecesse... estavas quietinho, sossegadinho, olhavas-nos e pensavas: - "Isso, aproveitem! Aproveitem a minha folga! Até vos vou conceder esta benesse! Vá, sintam lá o que é não terem medo! Eu já vos apanho..." E apanhaste, ó grande sacana!!!
Sabia que estavas lá, escondido... ou melhor, estavam! Sim, eu sei bem que vocês são dois! Tu, que és Meu e Tu, que és do Outro! Mas vocês achavam que eu não sabia?! Posso ter ignorado o Outro, estava muito ocupada a lidar com o Meu, mas pressentia a sua existência... Agora, não consigo lidar com dois ao mesmo tempo... e estavam ambos escondidos no armário!
Cada um sabe de si e dos seus Medos! Por qualquer conjuntura astral favorável, duas pessoas enfrentaram-vos como podiam e sabiam... e vocês tiveram que se esconder no armário!
Não, ó Tu que és do Outro, não julgues que ganhaste... não ganhaste! Estavas lá, à espreita, isso sim... mas não te deixámos entrar... apenas pairaste, rondaste... não queiras louros de algo que não conseguiste! Admite que te derrotámos, pelo menos dessa vez. Ou que o teu dono te derrotou, tanto faz... não conseguiste, ponto!
Mas agora sim, estás claramente a ganhar! Até te faço uma vénia, se quiseres! Concedo-te a vitória: pronto, ganhaste, és o maior, o mais forte, o mais esperto...Leva lá a bicicleta!
E Tu, ó meu Medo, também!!! Não sei se empurrado pelo outro, se por moto próprio, estás a ganhar! Satisfeito, ó grande sacana?! Deves estar! A esfregares as mãos de contente?! Aposto que sim! Sabe-te bem ganhar, não sabe?! Eu sei que sim... Ganhaste!
Tenho, de novo, a cabeça enfiada na areia, como a avestruz! É pá, ganhaste! Também podes levar a bicicleta! És o maior, mais forte do que eu, melhor do que eu...
Goza a tua vitória enquanto podes! Sabes bem que, mais dia menos dia, eu descubro uma nova forma de te enfrentar... mas, por agora não! Mal posso com o teu peso, ó meu Medo, quanto mais com dois...
Ganharam! Orgulhem-se disso!
Nós continuaremos as nossas vidas, com Medo...
Devia perguntar-te como estás, mas sei que estás bem... Continuas a cumprir a tua função ancestral de mecanismo de sobrevivência contra tudo o que pode ameaçar a vida humana. Mas não é por esta tua função que te escrevo...
Escrevo-te por tu atrapalhas a vida normal, do dia-a-dia, do quotidiano, impedes-nos de aproveitar a vida com essa tua mania de aparecer, subrepticiamente, à sucapa, nas esquinas, nas curvas, até mesmo onde achamos que estamos bem, que tu estás longe, muito longe...
Não me queixo dos Medos antigos, mas dos novos! Os antigos, como bem sabes, aprendi a lidar com eles, não sei se muito bem, mas aprendi...
Mas tu és um gajo tramado! Teimas em não me largar! Aprendi a reconhecer-te às primeiras indecisões, às primeiras fugas... demorei anos, mas aprendi a reconhecer-te! Invento estratégias para te ultrapassar, nem sempre sou bem sucedida, mas não desisto...
Sinto-te: lá vens tu... primeiro escondo a cabeça na areia como a avestruz... depois irrito-me comigo mesma (ainda com a cabeça na areia)... obrigo-me a pôr um olhito de fora e deixo guarda-chuvas em carros alheios... depois, lá tenho coragem e ponho o outro olho de fora, mas ainda não levanto a cabeça... fico perto do "buraco", não vá o diabo tecê-las... olho à volta, sinto-me confiante e começo a levantar o pescoço, lentamente... e tiro fotografias a caracóis e publico-as...de repente, levanto o pescoço, estico-o e ganho coragem para te olhar de frente, olhos nos olhos... o meu pescoço está levantado, esticado, tenho orgulho de mim pelos minúsculos passos que dei... torno-me ousada, valente... YES!!! Enfrentei-te!
Ah, mas tu és fodido!!! Tu sabe-la toda... Tu gostas de ganhar! Mesmo com tudo o meu esforço, com toda a minha coragem, com toda a minha bravura e ousadia, tu não desistes! Sacana!!!
Fizeste uma retirada estratégica, estavas escondido... deixaste que tudo acontecesse... estavas quietinho, sossegadinho, olhavas-nos e pensavas: - "Isso, aproveitem! Aproveitem a minha folga! Até vos vou conceder esta benesse! Vá, sintam lá o que é não terem medo! Eu já vos apanho..." E apanhaste, ó grande sacana!!!
Sabia que estavas lá, escondido... ou melhor, estavam! Sim, eu sei bem que vocês são dois! Tu, que és Meu e Tu, que és do Outro! Mas vocês achavam que eu não sabia?! Posso ter ignorado o Outro, estava muito ocupada a lidar com o Meu, mas pressentia a sua existência... Agora, não consigo lidar com dois ao mesmo tempo... e estavam ambos escondidos no armário!
Cada um sabe de si e dos seus Medos! Por qualquer conjuntura astral favorável, duas pessoas enfrentaram-vos como podiam e sabiam... e vocês tiveram que se esconder no armário!
Não, ó Tu que és do Outro, não julgues que ganhaste... não ganhaste! Estavas lá, à espreita, isso sim... mas não te deixámos entrar... apenas pairaste, rondaste... não queiras louros de algo que não conseguiste! Admite que te derrotámos, pelo menos dessa vez. Ou que o teu dono te derrotou, tanto faz... não conseguiste, ponto!
Mas agora sim, estás claramente a ganhar! Até te faço uma vénia, se quiseres! Concedo-te a vitória: pronto, ganhaste, és o maior, o mais forte, o mais esperto...Leva lá a bicicleta!
E Tu, ó meu Medo, também!!! Não sei se empurrado pelo outro, se por moto próprio, estás a ganhar! Satisfeito, ó grande sacana?! Deves estar! A esfregares as mãos de contente?! Aposto que sim! Sabe-te bem ganhar, não sabe?! Eu sei que sim... Ganhaste!
Tenho, de novo, a cabeça enfiada na areia, como a avestruz! É pá, ganhaste! Também podes levar a bicicleta! És o maior, mais forte do que eu, melhor do que eu...
Goza a tua vitória enquanto podes! Sabes bem que, mais dia menos dia, eu descubro uma nova forma de te enfrentar... mas, por agora não! Mal posso com o teu peso, ó meu Medo, quanto mais com dois...
Ganharam! Orgulhem-se disso!
Nós continuaremos as nossas vidas, com Medo...
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