Nos restos de um naufrágio! Mas a apanharmos furiosamente todas as tábuas que encontramos para construirmos uma jangada e a olhar para o céu, para ver quando surge um pássaro com um ramo no bico que nos indique que estamos próximas de terra firme! E a força com que nos mantemos à tona de água, a forma como lutamos contra as correntes, o desespero com que agarramos as tábuas que vão surgindo à nossa volta, vão-nos dar "músculos" para o que der e vier.
Nem todas as tábuas servem! Agarramos algumas que não prestam, que não encaixam, que têm demasiados buracos, caruncho, que são pesadas, que não conseguimos amarrar. Mesmo no meio do desespero, temos que as largar, que as deixar ir e continuar à procura...
Como todos os náufragos, ansiamos por terra firme, por água doce e é essa ânsia que nos dá ainda mais força para construirmos uma jangada que, por enquanto, nem precisa de leme ou de vela, só precisa de nos manter à tona, fora de água, secas e longe dos tubarões que nos rondam.
E, quando virmos o sacana do pássaro com o ramo no bico, saberemos remar com as nossas próprias mãos, transformar tábuas em remos quando estivermos cansadas, arranjar um leme, seguir na direcção certa e fazer "das tripas coração" para aguentar o pedaço que nos falta para chegar à margem.
Ainda que dentro de água, sabemos manter o coração quente, os braços fortes, as pernas agitadas e assim vamos sacudindo e esquecendo as águas geladas que nos cercam, o que ficou debaixo de água e o que (e quem) deixámos para trás. Sempre à "caça" de tábuas, sempre à procura da melhor solução para as transformar numa jangada que nos leve a uma qualquer praia, a terra firme, onde possamos acender uma fogueira, beber água doce e descansar do naufrágio. Mas sempre à espreita, não vá o sacana do pássaro passar sem o vermos...
Um dia, espero eu, perceberemos porque naufragaram os nossos barcos, porque ficámos as duas no meio dos destroços, porque sobrevivemos e o porquê dos nossos barcos se terem afundado na mesma altura, na mesma área. Temos a "mania" de querer perceber, de querer entender, de arranjar uma explicação para tudo, até para os nossos naufrágios. Se não o conseguirmos agora, vamos consegui-lo mais tarde, quando pudermos olhar para trás, quando não estivermos tão ocupadas a catar tábuas, a fugir dos tubarões, a esquecer que a água está gelada e que não podemos deixar que esse gelo nos pare o coração.
Mas, mais uma vez, sempre à espreita, não vá o sacana do pássaro passar sem o vermos...
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