Pensei em escrever-te um texto cheio de elogios, pelos sete anos em que estamos juntos. Elogios merecidos, já que saíste "melhor que a encomenda", digo eu, cheia de orgulho... Mas pensei melhor... E lembrei-me de uma história nossa, da qual tu só recordas alguns bocados. Achei que devia escrevê-la toda para que, um dia, tu a possas ler e saber como era a nossa relação!
Não quero que me imagines uma mãe perfeita, uma mãe que é só mãe, que não tem vida para além de ti. Quero que penses em mim como uma mulher inteira, com amores e desamores, que te ama acima de tudo, mas que tem uma vida para além de ti... assim como quero que tu tenhas uma vida, só tua, para além de mim... Digo-te muitas vezes que vou estar sempre aqui, como teu porto de abrigo, sempre que as tempestades "lá de fora" te abalarem... porque são as "tuas" tempestades, não as "minhas", tens que ser tu a vive-las e não eu... mas o porto de abrigo estará sempre aberto, terás sempre um colo, um ombro, os meus ouvidos e muitos conselhos! Terás sempre uma MÃE!
Quando faço estas introduções, tu dizes-me sempre: - Mãe, então e a história?! Não contas?!
Já lá vão quase dois anos. Eu andava triste, muito triste, tão triste que nem sabia o que fazia... mas o meu maior medo eras tu: como estarias tu a ver a minha tristeza?! Como estarias tu a sentir a minha tristeza?! Pensarias que era por tua causa?! E essa ideia deixava-me com "os cabelos em pé"! Como se explica a um miúdo que se teve um desastre amoroso?! Tu nem sabias que eu tinha tido "alguém", como é que eu te ia explicar que tinha deixado de ter?! E que essa era a raiz da minha tristeza?!
Optei por uma história! Tu gostas de histórias, gostas que te conte histórias... E a história era sobre uma Rainha. Uma Rainha que tinha um Príncipe e que vivia num castelo, sozinha com ele. E era feliz!
Mas...
As Rainhas são mulheres! E, por muito que gostem e sejam felizes com os seus Príncipes, por vezes precisam de Reis! E, às vezes, há Reis que se cruzam com as Rainhas e... bom, as Rainhas começam a gostar desses Reis... não deixam de gostar dos Príncipes e continuam a reinar no seu castelo, mas têm lugar no seu coração para gostar (também) de um Rei.
Neste ponto da história, tu, com essa tua sensibilidade que só mostras quando estás sozinho comigo, perguntaste: - Mãe, tu és a Rainha?! E eu sou o Príncipe?! Abracei-te e, juro, comecei a chorar... Estavas a perceber tão bem a minha "história"! Tinhas-me poupado a parte onde eu assumia que era a Rainha... Faltava agora a parte difícil de te explicar a minha tristeza e a sua causa... Disse-te que sim, que era eu a Rainha e tu, o Príncipe! E passei à parte complicada...
Nem sempre os Reis gostam das Rainhas! Por vezes acham que gostam e, afinal, não gostam! Mas é difícil para as Rainhas perceberem isso... por vezes, os Reis não são claros, não se sabem explicar e deixam as Rainhas confusas... E perguntaste-me tu: - Mãe, tu estás confusa?! Ri-me e disse-te que já não estava! Que já tinha estado, mas que tinha percebido que o Rei não queria esta Rainha. Não tinha sido fácil perceber isso, mas eu tinha lá chegado: o Rei não me queria como sua Rainha! E era por isso que eu andava triste! Do "alto" dos teus cinco anos, onde eu reinava como tua Rainha, perfeita e sem defeitos, tu perguntaste: - Porquê?! Porque é que esse Rei não te quis?! Ó mãe, tu dás beijos tão bons e fazes a melhor canja de todas... Gargalhadas minhas! Tu, meu filho, estavas a conseguir transformar uma confissão difícil, num momento de intimidade extraordinário, onde as minhas explicações estavam a ser facilitadas pelos teus cinco anos e pelo teu pensamento claro como água. Disse-te que as relações entre os Reis as Rainhas não são só feitas de beijos e de canja: existem outras coisas, que só os adultos compreendem... e nem sempre compreendem tudo! Eu também não compreendia muito bem porque é que o Rei não me queria, mas tinha que aceitar a decisão dele! A minha tristeza nascia daí: de continuar a gostar do Rei, de não perceber porque é que ele, afinal não gostava de mim, de não compreender muito bem tudo e de ter que aceitar a sua decisão.
A tristeza nada tinha a ver com o Príncipe, nem com o seu comportamento: o Príncipe continuava a ser o Príncipe e a Rainha a gostar muito dele! Puseste os teus braços à minha volta e disseste: - eu gosto muito de ti, mãe! Com a tua cara encostada ao meu ombro, ainda abraçado a mim, pedi-te paciência para comigo. Expliquei-te que podia haver dias onde os ralhetes seriam mais duros, dias em que não me ia apetecer rir nem achar piada às palhaçadas, mas que tudo ia passar... só precisava que tivesses alguma paciência comigo, por algum tempo... e que nunca, mas nunca, pensasses que o meu mau humor era por tua causa!
Disse-te que a história tinha terminado, que eram horas da canção de boa noite e de dormir... antes de adormeceres, perguntaste quem era esse Rei, se o conhecias... disse-te que sim, que o conhecias, mas que não te ia dizer quem era! Não interessava para a nossa história quem era esse Rei. Era um homem, ponto. Mas a tua curiosidade falou mais alto: mencionaste quase todos os meus amigos e, no meio deles, o dito Rei... ainda bem que as luzes estavam apagadas e que não viste as minhas lágrimas a correrem cara abaixo: ter-me-iam denunciado e tu, ficarias a saber quem ele era... isso não! Não te posso proteger completamente dos meus desastres amorosos, mas quero sempre proteger alguma da minha intimidade!
Sei que não esqueceste a "história"! Já houve outras alturas em que andei triste, e em que tu me perguntaste se era por causa de algum Rei... :-)
Sabes, meu filho, são estas histórias que fazem a nossa "história"... que mostram que, o que sentimos um pelo outro, nos vai manter unidos o resto da vida... mesmo que gostemos de outras pessoas!
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